Arcos do desmatamento
Por Ezequiel Silva
Além do grande rio Araguaia, margeadas pelos rios Xingu e a oeste, irrigadas pelo Teles Pires, estão terras que podem ser consideradas a Mesopotâmia brasileira. Situadas numa zona de domínios do cerrado, mata de transição e floresta amazônica, a diversidade de povos, atividades econômicas e as paisagens produzidas por essas relações não poderiam deixar de ser diversas e deixar a região ainda mais fascinante.
No início da década de 1960 foi regulamentada e demarcada a reserva indígena do Xingu que tem uma área equivalente ao estado de Sergipe. A reserva situada a nordeste do estado de Mato Grosso reúne diversas etnias e se mostra como uma ilha de preservação ambiental, já que, as atividades desenvolvidas pelos indígenas são em sua maioria extrativistas o que possibilita uma biodiversidade ímpar na região. Adentrar a reserva é o mesmo que viajar no tempo e conhecer o Brasil descrito pelos primeiros documentos escritos sobre a exuberância das terras conhecidas a partir de 1500.
Viajar entre as cidades de Canarana, Vila Rica e Matupá no Mato Grosso é poder observar toda a diversidade da região. No ano de 2002 numa viagem de trabalho de três meses por todo aquele estado tive oportunidade de contemplar o desenrolar das relações cada vez mais diversas, mas paradoxalmente intrínsecas que se desdobram naquela região.
Quando se entra em Porto Alegre do Norte, Gaúcha do Norte e Canarana uma pergunta é natural estamos no Sul do Brasil ou no Centro Oeste? Do ponto de vista cultural e humano a região tem muito haver com o Sul do Brasil, mas o clima quente e úmido, a rara, mas ainda presente floresta amazônica, e, sobretudo, o batalhão de índios que invadem estas cidades todos os dias em busca de serviços diversos, mostram que se trata do Centro oeste.
A forte presença sulista (gaúchos, catarinenses e paraenses) na região é reflexo da política desenvolvida pelos governos militares nas décadas de 1960 e 1970 que visavam povoar aqueles estados promovendo a distribuição de terras. Muitos não se adaptaram devido ás dificuldades da então região inóspita devido às enormes distâncias de outros centros urbanos, a precariedade das comunicações e transportes, a florestas densas e além de tudo isso, terras que para chegar ao ponto de se produzir demandavam inúmeros gastos e dificuldades, primeiro com a derrubada das densas florestas e depois com a adequação dos solos ácidos e impróprios para a agricultura. Por outro lado, a região contava com inúmeros rios e nascentes, além das chuvas regulares que possibilitariam produções em larga escala desde que o obstáculo das florestas e dos solos ácidos fossem vencidos. Bem, muitos não resistiram às dificuldades e voltaram para o sul, outros enfrentaram o desafio e com a força de seu trabalho fizeram nascer cidades e riqueza.
Sorriso, Sinop, Colider, Canarana, Porto Alegre do Norte e inúmeras outras cidades do chamado Nortão do Mato Grosso, nasceram assim e são reais exemplos de força trabalho e luta de homens e mulheres de respeito e valor. Porém, a soja, o milho, o gado, em fim, as riquezas produzidas pela próspera região e que hoje empurram para cima o crescimento do país tem o seu lado ruim.
Quando se fez necessária a derrubada da floresta para o plantio de soja e milho, e também pastos para o gado, naturalmente, aquela madeira retirada não seria desperdiçada e assim surgiram madeireiras que comercializavam a madeira oriunda das matas derrubadas. Quando a região se consolidou como a nova fronteira agrícola do Brasil e muitas das dificuldades como estradas, comunicações e transporte começaram a serem superadas, mais e mais pessoas se dirigiram para a agora próspera região. Cada um queria sua parte no novo Eldorado brasileiro, isso agravou problemas sérissimos como a derrubada de florestas que deu origem a mais madeireiras, as queimadas que em muitos períodos do ano deixam o ar irrespirável, a grilagem de terras, entre muitos outros. Automaticamente agravou-se a Questão Ambiental e a Questão Agrária, consubstanciadas na destruição de florestas e cerrado, e nas lutas pela terra e exploração de trabalhadores rurais. Mato Grosso é hoje um dos estados que lideram as denuncias de trabalho escravo.
A fronteira agrícola avançou pela floresta e pelo cerrado da região, o que representa uma enorme ameaça de desastre ambiental. Rios como Teles Pires, Juruena, Tanguro e Culuene que formam o Xingu, tem suas nascentes no cerrado e estão ameaçados pela expansão da agropecuária que destrói as matas ciliares e ameaça a subsistência das nascentes desses rios.
Em meio a essa situação por um lado geradora de divisas para o Brasil e por outro catastrófica do ponto de vista ambiental, o fato é que, a sociedade e o poder público brasileiros estão diante de uma difícil situação: expandir ainda mais a fronteira agrícola nacional pondo em risco todo um sistema ambiental sustentado pelos rios do cerrado e assumir o ônus de uma catástrofe cujas proporções são incalculáveis, ou parar com a devastação enquanto é tempo e manter as áreas exploradas só até onde já estão? Eis uma questão complicada de se resolver já que uma das pessoas que poderia ajudar a buscar uma solução, o governador de Mato Grosso desde a eleição de 2002 é ninguém menos que Blairo Maggi o rei da soja.
Pois bem, num ambiente de riquezas econômicas, devastações ambientais e todo o emaranhado de relações que se desenrolam naquele pedaço do país uma ilha verde resiste. O parque indígena do Xingu permanece com sua reserva de mata nativa onde diversos povos resistem à destruição vizinha. É realmente impressionante a diferença da vegetação exuberante existente dentro da reserva e o que se observa fora dela. Saindo de São José do Xingu com destino a Matupá o viajante cruza cerca de oitenta quilômetros por dentro do parque, aproximadamente quarenta na margem leste e quarenta na margem oeste do rio. No ponto de travessia situado no centro da reserva há uma aldeia onde funcionam escolas e cerca de quinhentos metros adiante está o Rio Xingu. Lá não há ponte e a travessia é feita em uma balsa pertencente aos índios que obviamente cobram pelo serviço, mas o privilégio de transitar por um lugar maravilhoso como aquele vale o preço. Porém, o Xingu, embora com sua exuberância e preservação, é ameaçado pela devastação supracitada já que as nascentes de seu rio, como já foi dito, estão em áreas de plantio de soja e portanto, a drenagem é ameaçada pela destruição das matas ciliares. Num mundo tão interligado é preciso que se pesem bastante todas as decisões a serem tomadas, uma vez que, do ponto de vista ambiental, uma mudança em um local afeta muitos outros.
No caso específico da região do Xingu uma decisão precisa ser tomada. Continuar a expansão da lavoura de grãos destruindo a natureza e assumindo o risco de provocar uma tragédia ambiental cujas proporções não podem ser medidas? Ou, buscar outras alternativas econômicas para que o equilíbrio ambiental possa ser mantido sem catástrofes provocadas pelo homem? Eis uma questão urgente para o debate de todos, sociedade civil e poder público.
Post de Ezequiel Silva
Por Ezequiel Silva
Além do grande rio Araguaia, margeadas pelos rios Xingu e a oeste, irrigadas pelo Teles Pires, estão terras que podem ser consideradas a Mesopotâmia brasileira. Situadas numa zona de domínios do cerrado, mata de transição e floresta amazônica, a diversidade de povos, atividades econômicas e as paisagens produzidas por essas relações não poderiam deixar de ser diversas e deixar a região ainda mais fascinante.
No início da década de 1960 foi regulamentada e demarcada a reserva indígena do Xingu que tem uma área equivalente ao estado de Sergipe. A reserva situada a nordeste do estado de Mato Grosso reúne diversas etnias e se mostra como uma ilha de preservação ambiental, já que, as atividades desenvolvidas pelos indígenas são em sua maioria extrativistas o que possibilita uma biodiversidade ímpar na região. Adentrar a reserva é o mesmo que viajar no tempo e conhecer o Brasil descrito pelos primeiros documentos escritos sobre a exuberância das terras conhecidas a partir de 1500.
Viajar entre as cidades de Canarana, Vila Rica e Matupá no Mato Grosso é poder observar toda a diversidade da região. No ano de 2002 numa viagem de trabalho de três meses por todo aquele estado tive oportunidade de contemplar o desenrolar das relações cada vez mais diversas, mas paradoxalmente intrínsecas que se desdobram naquela região.
Quando se entra em Porto Alegre do Norte, Gaúcha do Norte e Canarana uma pergunta é natural estamos no Sul do Brasil ou no Centro Oeste? Do ponto de vista cultural e humano a região tem muito haver com o Sul do Brasil, mas o clima quente e úmido, a rara, mas ainda presente floresta amazônica, e, sobretudo, o batalhão de índios que invadem estas cidades todos os dias em busca de serviços diversos, mostram que se trata do Centro oeste.
A forte presença sulista (gaúchos, catarinenses e paraenses) na região é reflexo da política desenvolvida pelos governos militares nas décadas de 1960 e 1970 que visavam povoar aqueles estados promovendo a distribuição de terras. Muitos não se adaptaram devido ás dificuldades da então região inóspita devido às enormes distâncias de outros centros urbanos, a precariedade das comunicações e transportes, a florestas densas e além de tudo isso, terras que para chegar ao ponto de se produzir demandavam inúmeros gastos e dificuldades, primeiro com a derrubada das densas florestas e depois com a adequação dos solos ácidos e impróprios para a agricultura. Por outro lado, a região contava com inúmeros rios e nascentes, além das chuvas regulares que possibilitariam produções em larga escala desde que o obstáculo das florestas e dos solos ácidos fossem vencidos. Bem, muitos não resistiram às dificuldades e voltaram para o sul, outros enfrentaram o desafio e com a força de seu trabalho fizeram nascer cidades e riqueza.
Sorriso, Sinop, Colider, Canarana, Porto Alegre do Norte e inúmeras outras cidades do chamado Nortão do Mato Grosso, nasceram assim e são reais exemplos de força trabalho e luta de homens e mulheres de respeito e valor. Porém, a soja, o milho, o gado, em fim, as riquezas produzidas pela próspera região e que hoje empurram para cima o crescimento do país tem o seu lado ruim.
Quando se fez necessária a derrubada da floresta para o plantio de soja e milho, e também pastos para o gado, naturalmente, aquela madeira retirada não seria desperdiçada e assim surgiram madeireiras que comercializavam a madeira oriunda das matas derrubadas. Quando a região se consolidou como a nova fronteira agrícola do Brasil e muitas das dificuldades como estradas, comunicações e transporte começaram a serem superadas, mais e mais pessoas se dirigiram para a agora próspera região. Cada um queria sua parte no novo Eldorado brasileiro, isso agravou problemas sérissimos como a derrubada de florestas que deu origem a mais madeireiras, as queimadas que em muitos períodos do ano deixam o ar irrespirável, a grilagem de terras, entre muitos outros. Automaticamente agravou-se a Questão Ambiental e a Questão Agrária, consubstanciadas na destruição de florestas e cerrado, e nas lutas pela terra e exploração de trabalhadores rurais. Mato Grosso é hoje um dos estados que lideram as denuncias de trabalho escravo.
A fronteira agrícola avançou pela floresta e pelo cerrado da região, o que representa uma enorme ameaça de desastre ambiental. Rios como Teles Pires, Juruena, Tanguro e Culuene que formam o Xingu, tem suas nascentes no cerrado e estão ameaçados pela expansão da agropecuária que destrói as matas ciliares e ameaça a subsistência das nascentes desses rios.
Em meio a essa situação por um lado geradora de divisas para o Brasil e por outro catastrófica do ponto de vista ambiental, o fato é que, a sociedade e o poder público brasileiros estão diante de uma difícil situação: expandir ainda mais a fronteira agrícola nacional pondo em risco todo um sistema ambiental sustentado pelos rios do cerrado e assumir o ônus de uma catástrofe cujas proporções são incalculáveis, ou parar com a devastação enquanto é tempo e manter as áreas exploradas só até onde já estão? Eis uma questão complicada de se resolver já que uma das pessoas que poderia ajudar a buscar uma solução, o governador de Mato Grosso desde a eleição de 2002 é ninguém menos que Blairo Maggi o rei da soja.
Pois bem, num ambiente de riquezas econômicas, devastações ambientais e todo o emaranhado de relações que se desenrolam naquele pedaço do país uma ilha verde resiste. O parque indígena do Xingu permanece com sua reserva de mata nativa onde diversos povos resistem à destruição vizinha. É realmente impressionante a diferença da vegetação exuberante existente dentro da reserva e o que se observa fora dela. Saindo de São José do Xingu com destino a Matupá o viajante cruza cerca de oitenta quilômetros por dentro do parque, aproximadamente quarenta na margem leste e quarenta na margem oeste do rio. No ponto de travessia situado no centro da reserva há uma aldeia onde funcionam escolas e cerca de quinhentos metros adiante está o Rio Xingu. Lá não há ponte e a travessia é feita em uma balsa pertencente aos índios que obviamente cobram pelo serviço, mas o privilégio de transitar por um lugar maravilhoso como aquele vale o preço. Porém, o Xingu, embora com sua exuberância e preservação, é ameaçado pela devastação supracitada já que as nascentes de seu rio, como já foi dito, estão em áreas de plantio de soja e portanto, a drenagem é ameaçada pela destruição das matas ciliares. Num mundo tão interligado é preciso que se pesem bastante todas as decisões a serem tomadas, uma vez que, do ponto de vista ambiental, uma mudança em um local afeta muitos outros.
No caso específico da região do Xingu uma decisão precisa ser tomada. Continuar a expansão da lavoura de grãos destruindo a natureza e assumindo o risco de provocar uma tragédia ambiental cujas proporções não podem ser medidas? Ou, buscar outras alternativas econômicas para que o equilíbrio ambiental possa ser mantido sem catástrofes provocadas pelo homem? Eis uma questão urgente para o debate de todos, sociedade civil e poder público.
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